Os samarreiros

A palavra samarra, que tem origem na língua árabe, significa em português, uma antiga peça de vestuário pastoril, feita de peles de ovelha; um samarreiro é definido como um negociante de peles de carneiro com a respetiva lã.

Em Vila Verde, na primeira metade do século XX, era raro que um miúdo de tenra idade, saído da escola primária, não tivesse como primeira ocupação a profissão de samarreiro. Os rapazes saiam então a pé, descalços, percorrendo as aldeias mais próximas, tentando comprar peles de coelho ou de outros animais. A pele mais apetecida era uma pele de ovelha com lã, uma samarra, visto o seu elevado valor, devido ao couro por que era composta, mais a valiosa lã que a revestia.

Como em muitas outras atividades comerciais ambulantes, os samarreiros tinham também o seu pregão: “ – Quem tem peles de coelho?… Quem tem samarras?… Comp’samarras!”.

Capa do livro – Vila Verde Terra de Samarreiros

Quem tiver a curiosidade de conhecer melhor o que foi a epopeia vivida pelos samarreiros desta terra, durante mais de um século, poderá fazê-lo através da leitura da citada obra Vila Verde Terra de Samarreiros. O autor, Antenor Santos, ele próprio samarreiro, ainda em atividade neste ano de 2011, conta aí a vida de mais de seis dezenas de samarreiros, as suas aventuras e desventuras, indicando também as obras que eles deixaram, sobretudo o património arquitetónico que ainda hoje é o orgulho da aldeia.

O período mais favorável para os samarreiros vilaverdenses coincidiu, no século XX, com as épocas antes e durante as duas grandes guerras mundiais. Devido a esses conflitos, todas as matérias primas se valorizaram de forma extraordinária, fenómeno a que não escapou o negócio de peles e curtumes. Foi devido a isso que muitos samarreiros acumularam grandes riquezas, o que lhes possibilitou construírem pequenas fábricas e grandes moradias que ostentavam as abastanças conquistadas.

Grupo de samarreiros em dia de Festa

O declínio da atividade típica de Vila Verde iniciou-se com o fim da segunda guerra mundial. Terminado o conflito, o comércio de peles e lãs sofreu uma recessão que provocou o lento, mas irreversível, abandono de muitos samarreiros cuja maioria – empregadores e empregados – partiu para o Brasil, Argentina e várias localidades em África.

Em 1959 havia, ainda, em Vila Verde, além de outras atividades, seis negociantes de lãs, sete fábricas de curtumes e vinte negociantes de peles. Pela quantidade de comerciantes que ainda subsistiam no final da década de 1950, podemos imaginar como seria Vila Verde no apogeu da sua economia, um pouco antes e durante a guerra que viria a terminar em 1945.

Pelplus – A única empresa de Vila Verde ainda a negociar em peles em bruto

Poucos anos bons que alternavam com muitos outros de vacas magras acentuaram ainda mais a degradação do tecido empresarial de Vila Verde, restando, na década de oitenta, apenas três fábricas de curtumes e outros tantos negociantes de peles. Em 1992 acabou por encerrar mais uma fábrica, passando, a partir de aí, a existirem apenas duas que, devido à conjuntura atual, nestes difíceis anos do início do século XXI, subsistem, embora com dificuldades. Os samarreiros, nesta mesma data, que já nada têm a ver com os seus antepassados, pioneiros no negócio de peles, estão reduzidos a apenas um! Trata-se de uma importante e moderna empresa que recolhe peles de matadouros, sem que os seus sócios tenham que calcorrear caminhos a pé para exercer a sua profissão e também já não usam pregão, como faziam os seus antepassados. A empresa exporta cerca de noventa por cento das peles que adquire, sendo, juntamente com as duas fábricas ainda em laboração, o frágil sustentáculo da economia desta terra.

Podemos, assim, afirmar que a atividade de comércio e curtimenta de peles, que constituiu o contributo mais importante para o desenvolvimento de Vila Verde, está, infelizmente, ameaçada de desaparecimento. Esta localidade, devido a tudo isto, foi perdendo importância e também boa parte da sua população; chegou a ter, no auge da sua economia, cerca de mil habitantes, passando a apenas quatrocentos e cinquenta neste ano de 2011.